Salvaguardas e a Guerra do Vinho – Entrevista com Carlos PAVIANI na London International Wine Fair 2012

O pedido de adoção de medidas de salvaguarda que, de acordo com um grupo de produtores brasileiros, teria como objetivo proteger os vinhos nacionais do avanço, cada vez maior, dos vinhos estrangeiros, colocou em guerra os diversos setores envolvidos na indústria do vinho no Brasil.

Produtores nacionais, importadores, chefs, blogueiros e consumidores, discutem inflamadamente sobre as prováveis consequências da implementação dessas medidas, numa guerra de força em cujo centro de gravidade se encontra o Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin)

Em meio a toda essa confusão, durante a London International Wine Fair 2012, RENDEZVOUS encontrou Carlos PAVIANI, diretor-executivo do IBRAVIN que, gentilmente, nos concedeu uma entrevista falando abertamente sobre a questão.

RDVS : Como o IBRAVIN vê a atuação do Brasil no mercado internacional de vinhos e qual a importância de marcar presença em feiras como esta?

Carlos PAVIANI : Nós estamos, na verdade, há 8 anos fazendo um trabalho de promoção junto ao mercado externo. É um aprendizado muito grande. Eu costumo dizer aos produtores que nós devemos estar preparados para vender vinho ao mundo se quisermos competir na esquina de casa. Vinho é um produto globalizado, que cresce a cada ano. O comércio exterior sofreu uma pequena redução com a crise de 2008 e 2009 mas já retomou seu crescimento e hoje, cerca de 1/3 do que é produzido no mundo é comercializado fora do país de origem e estamos preparando nossa indústria para acompanhar essa tendência. A exportação ainda representa cerca de 5% da nossa produção de vinhos finos – é pequena, mas tem crescido e se consubstanciado. Estamos há 7 anos marcando presença nessa feira em  Londres e, nos últimos dois anos, conseguimos efetivamente ter representantes, distribuidores e importadores aqui no mercado inglês – que é um mercado de referência no mundo já que está entre os maiores importadores mundiais (não tenho certeza se é o maior ou o segundo maior) além de ter vinho do mundo inteiro aqui.

Estar nesta feira, então, tem dupla finalidade: primeiro a de exportar e, segundo, de conhecer as novas tendências do mundo do vinho para também produzir “dentro desse movimento”, ou seja, de participar… criando e buscando a “identidade Brasil” que é algo característico da nossa produção. O Brasil não faz parte nem do velho mundo, nem do novo mundo (não tem uma produção tão recente quanto a da India nem tão antiga quanto a da Europa). Enfim, o Brasil está bem posicionado; nossa exportação não é de grande volume mas é de bastante qualidade e estamos hoje aqui na feira com uma equipe de 17 pessoas e 10 vinícolas expondo. Outras 6 vinícolas estão participando de um projeto que iniciamos ano passado chamado “Primeira Exportação”, no qual treinamos as vinícolas e colocamos consultorias à disposição delas a fim de elaborar um plano de marketing para o mercado internacional. Uma das etapas desse projeto é visitar uma feira internacional sem ser na qualidade de exportador (numa missão técnica). Estamos visitando lojas, mercados, etc, para entender um pouco esse mercado, que é tão diferente do nosso em vários aspectos, por exemplo : na Inglaterra, 47% do vinho consumido é branco, diferente do mercado americano que consome mais tintos e até do brasileiro, cujo consumo de tintos é de 70%. Diferenças como estas podem parecer pequenas mas são de extrema importância na hora de se tomar uma decisão. É por isso, então, que estamos aqui nesta feira em Londres.

RDVS : Com relação às medidas de salvaguarda ao vinho brasileiro, que vêm sendo estudadas pelo governo, o que é verdade e o que é mito ? A revista Veja divulgou recentemente que já haveria uma “pré decisão” de que tais medidas seriam rejeitadas, isso é verdade ? A decisão nesse caso é política ou técnica ?

Carlos PAVIANI : Bom, são 19 entidades brasileiras que se associaram, sendo 4 as que formalmente assinaram a Petição (em julho do ano passado) solicitando que fosse aberto processo de salvaguarda (processo esse aberto em 15 de março deste ano). Estamos agora na primeira fase, que tem duração de 60 dias, e que é o prazo para que as manifestações – contra e a favor – sejam apresentadas ao Ministério. A notícia da Veja antecipa mas não totalmente a verdade (aliás, como de costume) já que o processo continua em seu curso legal. Em junho haverá uma audiência pública, além de outras que foram solicitadas ao Ministério, para que os interessados defendam suas posições. Em agosto o Ministério deverá tomar sua decisão. Nesse caso, “técnico”e o “político” não vêm afastados um do outro, ou seja, não há uma decisão política sem que haja um embasamento técnico, mas também não há uma decisão puramente técnica se não houver o apoio político.

O governo brasileiro, diante de práticas de concorrência desigual e desleal, praticadas por alguns países (o caso, por exemplo da indústria dos calçados e os produtos chineses), decidiu estimular as associações industriais a entrarem com pedidos de defesa comercial, que pode ser o anti-dumping, a salvaguarda ou as medidas compensatórias. Nós, antecipadamente (pois somos um setor pequeno porém organizado) já tínhamos esse pedido desde o ano passado e, por isso, pagamos o preço da exposição pública em um tema que era praticamente desconhecido pela maioria dos brasileiros (tanto por produtores, como pela indústria e importadores). No início houve muita confusão sobre o que se estava requerendo já que a salvaguarda pode ser de quotas ou de majoração de alíquotas (de imposto). O que nós propomos é de que sejam estabelecidas quotas, porque uma competição baseada na majoração de alíquotas é ilusória já quem em poucos anos elas podem voltar ao valor original. Além disso, não seria possível aumentar a alíquota de tributação para o Chile, que é hoje nosso maior competidor.

Nosso objetivo é de que: baseados numa realidade de crescimento do consumo de vinhos finos no Brasil (que tem sido de mais de duas cifras nos últimos anos – em torno de 10 a 12%), nós possamos todos crescer – o Brasil, inclusive. O que tem acontecido é que o mercado vem absorvendo todo esse crescimento com os vinhos importados.

No ano passado, o brasileiro consumiu 90 milhões de litros; se nós crescermos mais 10% esse ano, são mais 9 milhões; se dividirmos esse crescimento em 3 milhões para nacionais e 6 milhões para importados ou 4 e 5, já será um bom resultado para nós. Então, a idéia é essa. A salvaguarda é um instrumento legal, legítimo, que não foi inventado por nós (não o criamos do nada), e que está disponível nas relações do comércio internacional desde a década de 40/50, quando a OMC estabeleceu esses instrumentos para regular os excessos do mercado. O que pretendemos, portanto, é nos utilizar desse meio a fim de atingir um maior crescimento no mercado interno. Essa é a proposta que estamos desenvolvendo e acreditamos que ela (a proposta) foi mal interpretada ou mal compreendida pelo público. De qualquer forma, entendemos que temos todo o embasamento técnico e o apoio político necessário para a aprovação da salvaguarda.

RDVS: Então não há possibilidade de vocês “voltarem atrás” nesse pedido de salvaguarda?

Carlos PAVIANI : Nós mantemos nossa posição, até porque, o processo continua tramitando e a decisão deve ser tomada pelo governo provavelmente em agosto ou setembro.

RDVS: O quanto cresceu a indústria nacional de vinhos?

Carlos PAVIANI : Eu nem falaria tanto em crescimento numérico mas sim em crescimento qualitativo. A indústria buscou se qualificar nos últimos anos; estamos convertendo os vinhos de uvas híbridas americanas (mais comuns) em vinhos finos. É mais nesse sentido que a indústria vem progredindo . Ao mesmo tempo, convertemos parte da produção de uvas americanas em suco (no ano passado, cerca de 50% da produção dessas uvas foi convertida em suco de uva). Então isso está retirando o vinho de mesa, o vinho mais simples, do mercado, e o substituindo por outros produtos, inclusive os importados. No ano passado nós tivemos 21% da “fatia” (consumida no Brasil) dos vinhos finos e nosso objetivo é de chegar a 33%, quem sabe 35% deste mercado.

RDVS: E qual é o tamanho (em Reais) desse mercado? Quanto isso colabora para a economia nacional

Carlos PAVIANI : Ah, isso é difícil… vejamos, a média é de US$ 3 a garrafa, que vai ser vendida a R$ 10 (fazendo contas)… acredito que em torno de R$ 2 bilhões é o que movimenta o mercado de vinhos no Brasil. É um mercado pequeno ainda, mas com grande expectativa de crescimento e nós estamos nos preparando para crescer junto com esse mercado. A regra da salvaguarda (por um período) vem justamente ordenar isso para que todos possam crescer: nacionais e importados.

RDVS: E com relação a essa última medida do governo em restringir as importações de vinhos da Argentina? Alguma relação com a IBRAVIN?

Carlos PAVIANI : Não, não. Acho que isso é uma resposta do Brasil a uma série de restrições que o governo argentino tem implementado em relação aos produtos brasileiros. Acredito que a Argentina vinha tentando melhorar a posição dela na balança comercial com o Brasil, quer dizer, ela tem vantagem nos alimentos e vinhos e o Brasil tem vantagens em quase todos os outros produtos – manufaturados, industriais, etc. Acho que era nesse sentido que o governo argentino vinha se posicionando e o Brasil resolveu, então, focar vinhos e alimentos instituindo as “Licenças Não-Automáticas”, que, na prática, só produzem resultados durante 60 dias, ou seja: você pede uma importação, ela leva 60 dias; depois disso você passa a se programar para pedir com 60 dias de antecedência. O impacto, portanto, é mínimo – é muito mais uma medida política.

RDVS: E, aproveitando o tema de vinhos argentinos, não são estes, assim como os vinhos chilenos, os nossos maiores concorrentes? E, sendo assim, essa medida de salvaguarda funcionaria para conter esses concorrentes?

Carlos PAVIANI : Sim, são nossos maiores concorrentes. Nós iniciamos, há 15 dias, junto com Uruguai, Argentina e Bolívia, um processo de elaboração de um planejamento estratégico para a viticultura do Mercosul, com foco na organização do mercado interno, no crescimento desse mercado, na exportação de vinhos e na troca e intercâmbio de questões técnicas, econômicas, etc. É uma medida de médio e longo prazo mas que nos dá a oportunidade de estabelecer parcerias. Nós temos uma boa relação com os produtores e as entidades vitícolas da Argentina desde 2005, quando iniciamos e firmamos um acordo de preços mínimos, depois fizemos estudos de mercado conjunto e chegamos a ensaiar medidas de promoção em conjunto (que não aconteceram naquele momento, em 2008 e 2009). Ou seja, existem sinergias a serem exploradas. Por isso, estamos iniciando esse processo e devemos estar encaminhando um projeto de financiamento via BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), numa linha específica para o trabalho que envolve 2 ou mais países, e pretendemos, portanto ter um plano de atuação conjunta. Acredito que isso, de certo modo, também responde a questão da salvaguarda pois ela atinge o Chile mas não atinge a Argentina.

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