Pétrus : O Mito com Olivier BERROUET

Todo mundo já ouviu falar de Pétrus. Mas por que ele é tão especial? O que é mito e o que é verdade? O vinho mais midiático do planeta é hoje feito pelas mãos de Olivier BERROUET, um engenheiro agrônomo e enólogo, que antes de substituir seu pai na direção de Pétrus, passou por Haut-Brion, Château Margaux, Cheval Blanc, Romanée-Conti, Yquem, além de Rémy Martin (em Cognac). Ele ainda deu a volta ao mundo trabalhando nos vinhedos da Califórnia e da Austrália, e tudo isso antes dos 30 anos.

Para poder explicar tudo que está por trás do rótulo de Pétrus, RENDEVOUS foi a Pomerol, onde foi recebido pela ‘deliciosa’ dupla: o divertidíssimo Olivier BERROUET e a encantadora Elisabeth JAUBERT, a embaixadora do vinho mais desejado no mundo.

Muita lenda cerca esta propriedade (de apenas 11,5 hectares) e seu vinho, que não possuem nenhuma distinção particular. Pétrus não é um Grand Cru ou Premier Cru. Não é nem mesmo um Château: “O nome é apenas Pétrus”, esclarece Elisabeth JAUBERT, do alto de suas 40 millésimes passadas na propriedade. “Não há um Château – existe o chais, mas não um Château. Desta forma, como não há um Château, e ninguém mora aqui, o nome é Pétrus apenas.”

“Pétrus é o nome da propriedade, mas antes disso, é o nome desta pequena colina que apesar de não ser muito elevada, ainda assim é o ponto mais alto de Pomerol, com 40m de altitude. Esta colina se chama Pétrus desde que os romanos aqui chegaram. Pétrus, em latim, quer dizer ‘pedra’, e nós estamos sobre uma colina que é um fenômeno geológico único no mundo”.

Muitas lendas também foram construídas em torno de como Pétrus ganho sua fama: “A verdadeira história é a de que, a partir de 1945 (nos anos 40, na verdade. Eu falo de 45 porque foi o fim da guerra). Nos anos 40, Pétrus se tornou propriedade de Madame LOUBAT que era convencida de que seu vinho era muito bom, ou mesmo melhor que os vinhos do Médoc (mas por esses vinhos não se pagavam os mesmo preços, naquela época). Quando ela se tornou proprietária, confiou a distribuição de seu vinho a Jean-Pierre MOUEIX, que era autodidata, que já havia criado sua empresa, e que fez uma excelente reputação para os vinhos de rive droite. Depois da guerra, ele teve a visão de que o grande mercado para o vinho seria os Estados Unidos e, por isso, partiu para aquele país com suas amostras de Pétrus. Chegando lá, não foi um jornalista que ele foi visitar, mas sim um dono de restaurante, um chef francês que tinha sido cozinheiro no pavilhão francês, durante a exposição universal de Nova Iorque, logo antes da guerra. Este cozinheiro acabou ficando em Nova Iorque durante a guerra e, depois, abriu seu próprio restaurante, que chamou Le Pavillion [5 East 55th Street, de 1941-1971] , por onde passavam todos os riquíssimos americanos. Então, Henri SOULÉ conheceu Pétrus graças a Jean-Pierre MOUEIX, achou o vinho MUITO bom, e o apresentou a todos os ricos americanos, notadamente a Jacqueline e John KENNEDY – não havia uma recepção na Casa Branca em que Pétrus não fosse servido.”

“Então foi assim que Pétrus se fez conhecido. E foi mesmo o ‘boca-a-boca’ que foi fazendo a sua reputação após isso, e não os jornalistas. Foram os ‘bebedores’ de vinho que propagaram Pétrus.”

“Nós sempre ouvimos muitas versões da história de Pétrus, porém, a verdade é simples: Foram pessoas que, pouco a pouco descobriam este vinho, que o recomendavam e, finalmente, houve o efeito bola de neve”.

Lendas à parte, ainda resta saber o que é Pétrus? “Esta é uma questão complexa!” responde Olivier BERROUET: “Primeiramente, é um sítio. Um sítio vitícola único no mundo e, portanto, nós temos um vinho que, por sua composição e por sua natureza, é único. Por um lado preenche os critérios dos grandes ‘perfis de beleza’ de um Grande vinho Bordolês. Pétrus é um vinho estruturado, longo, que traz consigo uma forma de charpente [estrutura] mas, além disso, estas argilas lhe concedem uma dimensão única, aportando um ‘elemento’ sedoso, um corpo, uma complexidade… que são únicos no mundo. Há um grande ‘classicismo’ na estrutura de Pétrus e, ao mesmo tempo, uma grande originalidade (em toda a parte aromática e em todo o corpo). E é o encontro dos dois que faz com que tenhamos um vinho mágico”.

E esta magia começa pelo solo; a pequena colina é composta por uma argila inacreditavelmente azul! “Esta colina é composta de argila”, explica Elisabeth: “Argilas que foram formadas há 40 milhões de anos, quando a bacia da Aquitânia (toda esta região da Aquitânia) era o fundo do oceano. É um tipo de argila encontrada apenas em grandes profundidades, e não sabemos por qual razão a encontramos nesta pequena colina, na superfície. A argila é azul como o céu!

“O que vocês vêm aqui no solo é uma camada superficial, que não é muito espessa (entre 60 e 80 cm apenas). Esta camada é o resultado de milhares de anos de erosão da argila azul, misturando-se com elementos orgânicos e com um pouco de graves [cascalho]. Abaixo deste solo, encontramos uma camada de 4 até 8 metros de argila azul, e isto é único. Ou seja, nossas raízes estão diretamente sobre a argila azul, o que faz com que se desenvolvam muito pouco. Isto porque, quando as raízes tocam a argila azul, que está muito próxima da superfície, ela não consegue mais penetrar. A argila é muito compacta e obriga as raízes à formar ‘cotovelos’, e se desenvolverem horizontalmente. Então, contrariamente à maioria das outras propriedades que estão sobre outro tipo de terroir, nós temos aqui um sistema radicular muito menos desenvolvido”.

Pétrus é uma pequena propriedade de 11,5 hectares, e que por causa de uma grande obra de ampliação dos chais, apenas 10,5 hectares estão plantados. “Estamos cercados por outros ícones como Vieux-Château-Certan, La Conseillante, l’Evangile e Gazin – estes quatro vizinhos tem pequenas parcelas sobre esta colina de Pétrus, a maior parte de seus vinhedos está mesmo sobre os graves, de forma que precisam fazer assemblagens.”

Elisabeth explica com paixão porque Pétrus é unico: “Somente Pétrus está 100% sobre a colina. Apenas uma vez em nossa história, tivemos a oportunidade de crescer um pouco. Em 1970, adquirimos os 5 hectares do alto da colina do Château Gazin (que, naquela época, precisava de dinheiro para pagar os impostos de sucessão).”

“Nós nos damos conta de que Pétrus é único, porque existe uma combinação de fatores. Não só na terra, mas também na topografia. Se tivéssemos uma superfície completamente plana, ou ainda pior, uma depressão, não teríamos a qualidade do vinho que temos. A ligeira inclinação da colina possibilita que a água seja drenada pela ação da gravidade; já nossas argilas, captam as moléculas desta água garantindo quantidade suficiente para assegurar todo o ciclo vegetativo da vinha. Mesmo em anos muito quentes, nunca tivemos nenhuma paralização do ciclo vegetativo por causa do calor. Aqui em Pétrus é diferente, é completamente diferente!”

Neste momento, um turista que passava pela estrada, encosta seu carro junto à propriedade, desce e se abaixa aos pés de uma vinha – aparentemente para tirar uma foto. Madame Jaubert, visivelmente aborrecida, interrompe sua narrativa e observa o turista atentamente até que este se afaste da vinha.

“Não se deve tocar na vinha, a vinha é muito frágil, não se pode tocar!”, diz Elisabeth, e se justifica: “Nós nunca conseguimos colher as uvas daquela pequena parcela! [apontando para a parte que beira a estrada]. Os visitantes, no período da vindima, comem as uvas antes que tenhamos oportunidade de colhê-las. Eles passam por nossa vigilância, pegam a fruta como um troféu só para dizer: voilá! Eu consegui!”.

Composto por 100% de uvas Merlot, a condução da vinha de Pétrus é também muito particular, e Elisabeth conhece este vinhedo como conhece seu jardim: “Como nosso sistema radicular é pouco desenvolvido e as raízes se desenvolvem na horizontal, as vinhas não podem estar muito próximas umas das outras. Por esta razão, temos menos vinhas por hectare (menos que no Médoc). No Médoc há, em média, 10.000 vinhas por hectare, e aqui nós temos 6.500. Aqui devemos manter 1,25 m de distância entre cada fileira, e 1 m de distância entre cada vinha”.

E Olivier completa: “Em Pétrus, as raízes se desenvolvem em torno do pé de vinha, e não completamente em profundidade, como em um solo de graves [cascalho]. No solo de graves há muito pouco para ‘se comer e beber’ [expressão francesa] e a vinha é obrigada a descer muito profundamente (podendo chegar a 5, 6 ou 8 metros). Por esta razão é uma aberração plantar mais de 6.000/7.000 pés [por hectare] na rive droite [ margem direita do estuário do Gironda], caso contrário estaríamos cultivando vinhas que  se tocam, e que não aguentariam tanto tempo”.

Como as raízes destes vinhedos não são profundas, poderíamos achar que a idade da vinha não é um fator importante, porém, Elisabeth é enfática: “A idade da vinha influencia sim, claro. Nós temos uma idade média de 40 anos”.  A embaixadora conhece cada detalhe: “Hoje, nossas vinhas mais antigas foram plantadas em 1952 e as mais jovens, em 2005. Para a construção do novo chais [Pétrus esta em clilma de obras, para ampliar o espaço de trabalho], nós tivemos que ‘arrancar’ 1 hectare, sendo meio hectare de Cabernet Franc e meio de Merlot. Atualmente, o terreno está em repouso. Nós plantamos gramíneas para enriquecer o solo, antes de replantá-lo – eu não sei se a parcela será replantada em 2013 ou 2014.”

“O ciclo vegetativo está mais adiantado do que vocês puderam constatar no Médoc porque o Merlot é mais precoce que o Cabernet. Porém, tivemos um tempo frio, que fez com que a vinha sofresse terrivelmente – vocês podem ver que aqui dois botões não ‘saíram’, não se formaram.”

“Neste momento, estamos retirando os gourmand, ou seja, todos estes brotos que crescem a partir do tronco, que consomem a seiva. Estamos fazendo essa retirada. Ao mesmo tempo estamos observando se os botões vão se recuperar, ou se estão comprometidos e devemos descartá-los, ou seja, estamos analisando se a natureza vai nos permitir recuperar o atraso causado pelo frio.”

A poda, a desfolhagem, a ‘vendange verte’… tudo é cuidosamente conduzido, e Elisabeth fala como se estivesse mostrando seu roseiral: “Este aqui é um pé que representa o ideal, e o que buscamos é: um pé bem retilíneo, com os bois [galhos/braços] do ano anterior e o deste ano para lados opostos e, a partir deles, hastes [sarmentos] bem perpendiculares ao pé, isto é, para favorecer a circulação da seiva na planta. Vamos deixar brotar 4 ou 5 hastes no bois deste ano, e cada haste vai produzir 2 cachos e, ao todo , isso nos permitirá fazer uma garrafa de vinho.”

“O próximo momento é o da flor, e se o tempo continuar assim, nós a veremos, provavelmente, no início de junho. Ano passado elas foram muito precoces e no mês de maio houve a floração. Tradicionalmente a floração ocorre no dia 15 de junho e por isso, neste dia, existe a festa da flor. É através do clima e da fecundação da flor, que saberemos se as uvas ficam ou se caem, e nesse momento podemos estimar se teremos uma bela colheita, ou não. Só então, procedemos aos ajustes necessários.”

“As primeiras vendange verte, em Bordeaux, foram feitas aqui em Pétrus, nos anos 70. No entanto, nos demos conta que, quando fazíamos a vendange verte nos mês de julho, a vinha tendia a ‘compensar’, ou seja: se você retirasse a metade dos cachos no mês de julho, você não teria apenas a ‘meia colheita’, porque as uvas que restavam eram maiores, ou seja, menos concentradas. Então, o que nós tentamos foi controlar a quantidade de uvas que são produzidas em antecipação.”

“Nós adestramos a vinha, trabalhamos com ela, não para contrariá-la, mas exatamente para que ela, por si própria, consiga concentrar-se ao máximo nas uvas que ela deve produzir.”

“Em Pétrus nós fazemos Alta-Costura! Por exemplo, no ano passado tudo foi muito mais precoce. No mês de junho tivemos alguns dias extremamente quentes, então o sol do fim de tarde que vinha do oeste, refletia nos graves, e toda essa primeira fileira [na borda do caminho] foi queimada pelo sol. Houve ainda alguns outros pés atrás que também foram queimados. Fizemos uma passagem para descartar esses cachos [os que foram queimados]. Depois, com ‘tesourinhas de criança’, fomos aos cachos onde havia apenas algumas uvas queimadas e cortamos cada uva individualmente”.

A decisão da colheita é um momento crítico na produção de Pétrus, Olivier conta: “Todo ano tem uma novidade. Usar pinça de depilação no processo, tocar música durante a vinificação, essas coisas. Yves GLORIES, que infelizmente faleceu, era o decano da faculdade de enologia de Bordeaux e, quando perguntado sobre o que se devia fazer naquele ano para obter um grande vinho, ele respondeu: -Existem duas questões cruciais: a data da colheita, e o controle sobre as extrações!”

“Se nós conseguirmos controlar perfeitamente estes dois parâmetros, (claro que eu exagero um pouco), o resto é quase acessório.”

“A definição da maturidade e do potencial de extração de sua uva são duas decisões complicadas. Elas são complicadas porque não se pode voltar atrás. Uma vez que a decisão é tomada, somos obrigados a seguir a partir daquele ponto”.

Decisão tomada, entram em cena os colhedores, e Elisabeth explica esta importante tarefa: “O tipo de triagem a cargo dos colhedores é apenas o de eliminar o Botrytis [podridão cinzenta]. É o único critério de descarte que lhes cabe. As demais decisões de descarte cabem a nós [equipe técnica].”

“Pétrus é conhecido por não ser technologically friendly. Nós gostamos de fazer as coisas da maneira mais ‘clássica’ possível, porém, desde 2009, abrimos exceção para a triagem óptica das uvas [mesa de triagem óptica]. Em 2011, principalmente, a triagem óptica foi extremamente útil, por conta do millerandage, ou seja, tínhamos uvas perfeitamente maduras e outras que não estavam boas, pois eram rosadas. Assim, como podemos controlar até mesmo o nível de cor através da triagem óptica, tudo o que não era absolutamente da cor correta pôde ser eliminado.”

“Nos anos precedentes, o descarte com a triagem óptica era de aproximadamente 1%. Em 2011 foi um pouco maior, mas o mais importante é o efeito que essas uvas indesejadas poderiam ter causado ao gosto do vinho. Portanto, vamos continuar nesse sentido, não apenas pela qualidade da triagem, mas também pela velocidade. Antigamente, nós triávamos a mão, e eram as mulheres que o faziam, porque é necessário ter dedos pequenos e ágeis. O processo tomava de 2 a 3 horas para cada hora de vindima, o que fazia com que essas mulheres ficassem na mesa de triagem até meia-noite, ou mesmo uma hora da manhã. No dia seguinte, tudo recomeçava. Agora, com a nova máquina, a triagem segue na mesma velocidade da vindima, e a uvas são mais rapidamente depositadas nas cubas, reduzindo o risco de oxigenação. É, sem dúvida, uma ferramenta muito útil.”

Uma vez colhidas e triadas, as uvas entram no chais de Pétrus. Elisabeth e Olivier nos conduzem ao interior que nos reserva uma grande surpresa. Ao invés de uma imponente construção cercada de glamour e tecnologia, as cubas são de uma grande simplicidade: “No vinhedo nós fazemos de tudo para obter a melhor uva possível. Depois, no chais, há muito pouca coisa a fazer. Na maior parte do tempo, quando a natureza é generosa, o trabalho é principalmente: não fazer nada. Quando temos um cavalo que ganha, e que ganha depois de tanto tempo …”

“Olivier BERROUET, foi precedido por seu pai que, sozinho, produziu 45 millésimes de Pétrus. Os dois juntos fazem 50 anos. Meio século de conhecimento e de experiência. Se Jean-Claude BERROUET não achasse que este processo era o que havia de melhor para Pétrus, ele teria feito algo diferente, mas como ele sempre considerou que ‘isso’ é o que existe de melhor… nós continuamos.”

“A ambição do novo chais é de dar mais espaço para podermos trabalhar melhor e sermos mais flexíveis. O antigo chais foi construído em duas etapas – a primeira parte das cubas foi construída em 1945, logo após a segunda guerra mundial, e a outra parte veio depois, com a necessidade de mais cubas em virtude da aquisição dos 5 hectares de Gazin. Mas hoje em dia a produção é menor do que naquela época, e nos encontramos com cubas muito grandes, que não nos permitem vinificar por parcelas. O que não é tão grave assim, já que temos conseguido fazer um bom vinho.”

“O novo chais será quase igual, porém, teremos mais cubas de menor capacidade com uma maior variedade de tamanhos para permitir a vinificação parcelar.”

“O inox [se referindo às duas cubas inox] foi uma solução, porque necessitávamos de mais cubas e estas são utilizadas unicamente para ‘estocar’ o vinho. Como vocês podem ver, cada uma é composta por duas cubas superpostas. Mas, notem, nós NÃO utilizamos inox para a vinificação do Merlot.”

“Para a vinificação, as cubas são em concreto armado bruto. O concreto bruto não adiciona nada ao gosto do vinho, mesmo porque, nós preparamos as cubas aplicando sobre o concreto uma solução de ácido tartárico, porque o concreto é uma base, e o ácido tartárico nos permite criar um ambiente perfeitamente neutro no momento da recepção da colheita. Mas isso não influencia em nada no gosto de Pétrus.”

“Como existe uma inércia térmica muito maior no concreto do que no inox, isto nos permite colocar as uvas no período mais fresco. Antigamente, nós colhíamos as uvas durante o período da tarde, para evitar que elas estivessem molhadas do orvalho matinal. Hoje em dia, com o aquecimento climático, nós colhemos pela manhã, para que elas guardem uma temperatura mais baixa, o que nos permite aguardar aproximadamente 24 horas depois da colheita – neste tempo, as uvas vão ‘pré-fermentar’ suavemente, antes que a fermentação efetiva comece, de maneira natural.”

É nestas cubas de concreto que a magia opera; começa então a vinificação do mito Pétrus. E, sempre falando muito abertamente, Elisabeth fala sobre a polêmica da utilização de leveduras exógenas: “Normalmente não adicionamos nenhuma levedura, salvo nos anos em que constatamos que será absolutamente necessário para começar a fermentação.”

“Então, a fermentação e toda a vinificação, em Pétrus, mais uma vez, é diferente. É a única propriedade em que o Merlot é tratado de uma maneira completamente particular. A maior parte das propriedades tem Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc e Merlot. E existem apenas duas propriedades que são 100% Merlot: a Le Pin e Pétrus. Na maior parte dos casos é uma assemblagem de Cabernet Franc e Merlot. Em La Fleur [que, ao contrário do que muita gente pensa, não é o segundo vinho de Pétrus, mas sim outra propriedade da família MOUEIX], temos Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc e Merlot. Nas propriedades que eu visitei em Bordeaux até hoje, e faz 40 anos que eu visito diferentes propriedades, eles tratam o Cabernet exatamente da mesma maneira que o Merlot, porém o Merlot é uma casta muito diferente, e que por isso, deve ser tratada de maneira bem diferente.”

“Os taninos dos Cabernets são mais ‘duros’, e para proporcionar a evolução que vai lhes permitir que sejam um pouco mais suaves, é necessária adição de oxigênio. Porém, os taninos do Merlot são suaves, desde o início e, portanto, não se pode os expor ao oxigênio, pois isso faria com que o vinho envelhecesse prematuramente. Portanto, podemos muito bem vinificar os Cabernets em cubas de aço inoxidável, e o aporte do oxigênio não é um inconveniente. Para os Merlots, no entanto, é necessário vinificar em cubas de concreto, porque isto impede a oxigenação”.

Após a fernentação, é a vez de outro processo crítico na vinificação: as extrações, e Olivier explica sua visão: “Durante todo o ciclo, até a colheita, nós ficamos apreensivos em relação à matéria prima. É que a vinificação de vinho tinto consiste em decidir o tempo certo de infusão entre uma matéria líquida e uma matéria sólida. Quando você compra um bom chá, o que está escrito na caixa? 3 minutos a 85°C, ou 6 minutos a 90°C… Para nós é igual, devemos determinar este tempo e esta temperatura de infusão.”

“Se formos além da capacidade de extração da matéria prima, o que acontece? Exatamente a mesma coisa que com o seu chá quando você deixa o sachet na xícara; o chá escurece, amarga, fica seco, agressivo, e você não tem vontade de beber. E com o vinho é exatamente a mesma coisa; se vamos além do potencial de extração da matéria prima, rapidamente desequilibramos o produto final e teremos um vinho que perde sua harmonia e seu equilíbrio; e isso não podemos mais corrigir.”

“Dependendo do millésime, o tempo total de extração é entre 12 e 18 dias, e a decisão deve ser tomada com menos de 24 horas do ponto ideal [a incerteza não pode durar mais de um dia].”

“Mas veja bem, não é porque um vinho passa apenas 12 dias na cuba de extração, que ele será um vinho pior; isso não tem qualquer relação. A única coisa que nos interessa é o resultado final, e não os processos aplicados.”

“Por exemplo, quando você vai ao cinema, não interessa quem escreveu o roteiro, quem está por trás da câmera, quem desenhou o figurino, qual a marca da película. A única coisa que interessa é se você sentiu alguma emoção quando viu o filme. E, sobretudo, se ficou uma boa lembrança quando saiu do cinema. Porque tem filmes que quando você sai, você tem vontade de esquecer que viu, de tão ruim que foi o filme” [risos]

“Com o vinho é a mesma coisa, toda a parte técnica não é interessante para a pessoa que o consome, a única coisa que vai lhe interessar é se ele sentiu prazer em degustar aquele vinho. E a nossa maneira de fazer vinho é assim, a começar por nós mesmos, porque aqui a gente gosta bastante de beber, e nos perguntamos constantemente se iremos sentir prazer em beber este vinho daqui alguns anos”.

A utilização racional dos barris de carvalho novo em Pétrus também é reveladora. Olivier é contrário a uma utilização extensiva de madeira nova: “Aqui em Pétrus nós estamos muito atentos à utilização da madeira. Principalmente porque, depois de alguns anos, nós percebemos que o vinho é muito sensível à madeira. Então, nós utilizamos apenas 50% de [barricas de] madeira nova e, além disso, estas barricas novas, quando nós as recebermos, são passadas no vapor [sob presão] durante 5/6 minutos, depois nós a enchemos com água durante 15 dias, para extrair o primeiro gosto, ou seja, os taninos da madeira muito fortes.”

“Nós também diminuímos o tempo de élevage e agora estamos com algo em torno de 14 e 18 meses, dependendo da safra. Somos MUITO atentos à utilização da madeira, porque não queremos que a madeira domine o vinho. Quando a madeira ‘participa’ demais do vinho, mesmo que ainda jovem, traz taninos muito estáveis, com os aromas ‘standarizados’ (afinal, carvalho é carvalho, quer você esteja em Saint-Emilion, Pomerol ou no Médoc). Quando envelhecem, os taninos da madeira vão dar uma característica de ressecamento na boca, duro… Enfim, para nós, essa super-utilização da madeira é um limitador do prazer”.

Aos 33 anos e em sua 5ª millésime em Pétrus, Olivier BERROUET não carrega sozinho toda a responsabilidade, mas divide as decisões mais críticas com seus predecessores: “Meu pai era o responsável enológico enquanto Christian MOUEIX gerenciava a viticultura de Pétrus. Ambos continuam como consultores, o que significa que continuam ao meu lado para as decisões importantes.”

“Tudo que está ligado ao tratamento do solo, a vendange verte, defolhagem, éclaircissage [desbaste], a nutriçao da vinha, a data da colheita… Tudo isso representa uma quantidade enorme de ‘pequenos ajustes’ que nós devemos estar atentos durante todo o verão, nos adaptando constantemente. Não existe receita, o que existe é uma constante adaptação.”

“Trago experiência, mas dificilmente podemos reproduzir técnicas que são utilizadas em outros sítios vitícolas quando estes são tão específicos como: Romanée-Conti, Haut-Brion, Margaux. Tem a história, as castas, o tipo do vinho… O que podemos trazer é a reflexão que existe, por trás da implementação, de cada gesto.”

“Infelizmente eu não tenho nenhuma receitar pra dar. Aqui nós estamos em constante adaptação. Eu acredito que quando se tenta aplicar uma receita ou impingir uma sedução imediata ao vinho, eles perdem toda a sua personalidade. É claro que esses vinhos podem seduzir rapidamente, mas no longo prazo, acredito ser uma estratégia perdedora. Para mim a viticultura é como adptar seus gestos, para produzir as melhores uvas possíveis, em função do tipo de vinho que queremos fazer. Toda a tecnologia e a técnica que aplicamos devem ser em função do resultado que queremos obter. Será que eu devo fazer o vinho pra mim, Olivier Berrouet? Para aumentar minha imagem junto à mídia? Ou eu devo fazer um vinho para seduzir 2 ou 3 pessoas chaves? Ou devo fazê-lo unicamente para o proprietário? Ou, o que nós tentamos fazer, um vinho que conta a história de Pétrus todos os anos!”

Olivier nasceu e cresceu ao lado de Pétrus, e por isso mesmo consegue manter a humildade e a serenidade para lidar com o vinho mais observado pela mídia do mundo inteiro: “A minha sorte foi ter vivido próximo a esta propriedade desde pequeno. Eu acho que consegui dessacralizar, afinal, nós só fazemos vinho! Mesmo que este vinho seja Pétrus… Como técnico, eu posso manter ‘certa distância’ para poder tomar as decisões. Imagina se todo dia de manhã eu acordasse dizendo: Nossa, eu tenho que ir fazer Pétrus! Primeiramente eu teria um ego desmesurado e seria incapaz de tomar boas decisões. Por isso é necessário saber manter uma certa distância de tudo isso, levar menos a sério e fazer prova de bom humor de tempos em tempos (o que é fundamental nesse métier para se tomar boas decisões friamente). Porque quando estamos muito excitados ou sob forte estresse, não tomamos boas decisões. E a pressão existe, e é forte.”

Olivier não se deixa levar pelas tendências. Sua visão sobre um grande vinho é bastante conservadora. Ele não concorda com ‘a moda’ de que um bom vinho deve ser bom ao longo de toda sua vida: “As pessoas confundem frequentemente. Não podemos ter tudo na vida. Um vinho que te dá tudo imediatamente, não pode envelhecer tanto tempo quanto um vinho que vai se guardar, que vai se reservar. Um vinho que se revela imediatamente, após 6 meses, 1 ano, ou 3 anos, terá pouco tempo de vida. Ou seja, são duas coisas que são completamente diferentes.”

“Para mim, o equilíbrio se situa principalmente na carga tânica do vinho. Dizemos que um vinho de Bordeaux envelhece porque tem taninos. Então quanto mais taninos, mais ele poderá envelhecer. Isto é um erro! A questão não é sobre o quantitativo, mas sim sobre o qualitativo. Existem vinhos de Bordeaux que foram pouco tânicos ao longo da história, e que puderam envelhecer de forma exuberante. O 1970 não é nenhum monstro de tanicidade, assim como o 71, e mesmo assim, eles envelheceram durante décadas.”

“Hoje em dia não existem tantos grandes vinhos que conseguem envelhecer 30/40 anos. Eu acho que devemos ser humildes e aceitar que existem sítios vitícolas que, por não serem muito bem localizados, mesmo dispondo de muita tecnologia, não farão nunca grandes vinhos. Eu digo isso com toda humildade, porque com meu pai e meu irmão, somos viticultores em apelações muito mais modestas, em sítios vitícolas que não tem a mesma qualidade de Pétrus; e nós devemos aceitar isso. Se nós tivéssemos a possibilidade de fazer Pétrus na nossa propriedade familiar, não nos privaríamos. Mas não podemos, porque o solo é o elemento discriminatório que faz com que você não seja jamais melhor que o seu vizinho. É claro que há trabalhos equivalentes, mas se dois viticultores se aplicarem de forma igual, é o solo que determinará a qualidade do vinho. E é exatamente este elemento (solo) que vai determinar se podemos fazer vinhos de guarda; e não a tecnologia aplicada ao processo.”

“Não é porque você passa 150 horas no seu vinhedo, que sua uva vai ter capacidade de envelhecer 10 ou 15 anos a mais. Não é porque você construiu um chais de 10 milhões de euros ou compra 200% a mais de [barricas] de madeira nova a cada ano, que o seu vinho vai envelhecer ou, quiçá, ser melhor. É o solo que vai definir!”

“O tabalho humano serve de acompanhante da matéria prima. Ele [o trabalho] deve acompanhar a uva e, em seguida, o vinho. Mas isso é tudo!”

“Eu tenho uma visão um pouco brutal: somos como um médico obstetra. Se o bebê é bonito, não foi pelo trabalho do médico durante o parto, afinal, ele não é nem o pai nem a mãe (com exceção de alguns casos, mas aí é mais complicado [risos]). A função do obstetra é acompanhar a gestação, o nascimento (e não deixar o bebê cair) e, até mesmo, acompanhar os primeiros anos de vida. Mas é só. É o DNA do pai e da mãe que determinam como será o bebê. E o nosso papel é esse (o do obstetra). É fundamental, mas não é ele que determina o nível qualitativo do vinho ou da uva.”

“Nós estamos em constante adaptação, e o nível de reflexão é o mesmo, quer seja em Pétrus, ou em nossa pequena propriedade familiar. Acontece que nossa pequena propriedade nunca terá a mesma potência de Pétrus. E por isso eu digo que é preciso fazer prova de humildade e aceitar. É como tudo na vida: eu adoraria ter 1,95m para jogar basquete, mas não tenho! É assim mesmo… Mas eu me compenso!” [risos]

“O que eu quero dizer é que este aqui é um métier em que se faz necessário ser humilde e aceitar que os anos são diferentes e que cada um trabalha em um sítio diferente, com potenciais diferentes. E, finalmente, é isso que faz do vinho algo interessante. Imagina se, graças à tecnologia, todos nós fizéssemos os mesmos vinhos. Que tédio! Seria entediante, você não acha?”

Com relação aos críticos de vinho, Olivier tenta manter uma relação cordial, mas questiona os métodos: “Quando você degusta 100, 120, 150 vinhos em uma manhã, você dedica uma média de, apenas, 4 e 5 segundos por vinho (enquanto sabemos que certas noções como o “amargo” aparecem apenas ao fim de 8 a 12 segundos na boca). O “amargo” para mim é o gosto mais significativo de uma sociedade educada, ou seja, nós só o apreciamos quando estamos educados o suficiente (uma criança, por exemplo, prefere apenas o doce). Existem diferentes tipos de “amargo”; os químicos, os medicamentosos. A quinina, por exemplo, que faz a agua-tônica, é um “amargo” químico, e certos vinhos quando são excessivamente extraídos podem apresentar este gosto da quinina, o que faz com que um degustador que passa 4/5 segundos em um vinho não conseguir perceber este tipo de defeito. E para mim, o final de um vinho é fundamental. Por exemplo, neste vinho [o 2011 que estamos degustando] há um pouco de “amargo”, mas um “amargo” de cacau, que é longo e que é agradável, que traz uma elegância ao vinho. E se degustamos como uma metralhadora, nós passamos ao largo de toda a beleza de um vinho, ou seja tudo que fica após ter bebido (ou mesmo cuspido).”

“Para se degustar um grande vinho, é necessário se conceder tempo, estar concentrado, caso contrário, você passa ao largo do grande vinho. A relação com o tempo é fundamental!”

E o cara-a-cara com Robert PARKER?

“Bom, isso já me aconteceu várias vezes, mas Monsieur Parker é sempre muito gentil!”

Claro, porque ele ADORA Pétrus.

“Pode ser, mas não este ano…” Sorri Olivier ao se lembrar do último encontro.

Já madame Jaubert continua otimista: “Por enquanto, por enquanto… Ele vai ter a oportunidade de rever sua crítica!” [risos]

Parker atribuiu magros 90-93 pontos à Pétrus 2011, o que é bastante raro na relação do wine advocate com este vinho. Mas isso não perturba Olivier: “Bom… A vantagem é que temos proprietários que são muito integrados à produção de Pétrus, que estão cientes de todas as etapas e decisões. Para eles, a qualidade do vinho não se julga pela nota dada por uma só pessoa. A força de Pétrus é tão grande que nós podemos nos desligar, ao menos um pouco, do julgamento da maior parte dos jornalistas. E, talvez eu me repita, nós não fazemos vinho para que Monsieur Parker (que é um excelente degustador) nos dê uma melhor ou, pior nota. Nós fazemos vinho para Pétrus”.

Outra lenda que cerca Pétrus é a safra 1991 que não existe. Há várias versões e estórias a respeito, mas Olivier nos conta a verdade: “O que aconteceu? O que aconteceu em 21 de abril 1991? Mais precisamente na noite de sábado para domingo? Houve uma grande geada. Tudo congelou, e nós perdemos 90/95% da colheita.”

“Não foi qualitativo. Até porque, quando a vinha sofre demais, ela não produz (é como as mulheres: quando elas sofrem de verdade, elas não podem ser verdadeiramente belas…)” [risos]

Nem gentis!!!” [risos] completa madame Jaubert.

E Olivier ‘tenta’ retomar seu raciocínio: “Este era o primeiro ponto, o segundo ponto… eu não me lembro qual era… Ah! Isso! Nós começamos a sentir uma grande especulação em torno de Pétrus, e pensamos que, se lançássemos uma safra que teria apenas 3.000 garrafas, seria uma loucura. Então preferimos vender ao Négoce [como um Pomerol AOC]”.

Portanto, atenção: Se você tem uma garrafa de Pomerol 1991 genérico, que foi comercializado pelos estabelecimentos MOUEIX, você tem grandes chances de ter um Pétrus sem saber!

 

Pétrus em 360°

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